Na madrugada de ontem, dia de Natal, contrariamente ao que é costume havia uma televisão acesa na sala onde me encontrava a passar a consoada. Estava sintonizada no canal que transmitia em directo as celebrações natalícias no Vaticano.
Sem tomar muita atenção, fui contudo olhando para o sumptuoso interior da catedral de S. Pedro, para as vestes púrpura e alvo-douradas dos cardeais, para a riquíssima ambiência criada para a ocasião.
Subitamente, atingiu-me como uma pancada a lembrança daquilo que estava ali a ser comemorado: o nascimento de alguém a quem viria a ser dado o nome de Jesus, filho humilde de um pobre carpinteiro e de uma simples mulher chamada Maria, no interior de um estábulo com animais, nos arredores de uma pequena cidade chamada Belém, situada na Judéia – actual Cisjordânia.
O mesmo Jesus que 30 anos depois iria aplicar a Si mesmo as palavras iniciais do capítulo 61 do lívro do profeta Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, …» (cf. Lucas 4, 18-19).
E aqueles que ali estavam visíveis no pequeno ecrã eram, nem mais nem menos, os discípulos dos discípulos desse Jesus que os enviou em serviço aos povos “depois de lhes ter dado as seguintes instruções: (…) Recebestes de graça, dai de graça. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento.” (Mateus 10, 5-10)
Então, a minha mente e a minha alma perturbaram-se com tão evidente hipocrisia.
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