Personifique-se a democracia portuguesa como Decia Poresa para poder contar-se a sua história de forma simples.
A Decia Poresa tem agora 37 anos de idade. Mas, sendo adulta, não consegue bastar-se a si mesma, isto é, ser economicamente independente. Tal como acontece a muitas pessoas reais em Portugal. A culpa, diga-se assim, não é sua.
A Decia é filha de um pai chamado Antigo Regime que prosperava quando ela nasceu. Mas a menina Poreza não nasceu muito saudável. Tinha uma grave hipertrofia lateral esquerda. Uma doença cujo difícil tratamento levou a que pai vendesse ao desbarato, no primeiro ano após o seu nascimento, todas as grandes herdades mais afastadas que possuía – Angola, Moçambique, Guiné e outras – mais por não ser capaz de cuidar delas do que por precisar do dinheiro, diga-se. Com o tempo melhorou muito da sua doença mas nunca se curou totalmente.
A Decia teve uma infância e uma primeira juventude um bocado atribuladas e a sua educação foi bastante descurada. Quando tinha apenas 12 anos de idade foi admitida na escola de um clube de gente abastada chamado CEE, logo com direito a bolsa de estudos. No entanto, nunca perdeu o hábito de fazer birras e faltar às suas obrigações, no que foi sendo sempre desculpada por causa da sua primordial doença.
Ao fazer 25 anos, jovem vistosa embora bastante ignorante, convenceu os padrinhos, membros mais velhos do clube que lhe tinha suportado os estudos secundários, a subsidiarem-lhe estudos superiores e, posteriormente, vários estágios profissionais. O que eles fizeram, mas com condições, porque a jovem dava já sinais de ser algo estouvada. Verdade seja dita que lhes era fácil vê-lo, pois a Decia fazia quase tudo o que os outros lhe diziam e nunca pensava pela sua cabeça.
Depois de sair da alçada do seu primeiro tutor, um tal Ramalho, as escolhas sentimentais da Decia nunca foram grande coisa. Valia-lhe que lá ia conseguindo livrar-se das más companhias sem grandes problemas. Até que um dia, estava quase a fazer 30 anos, envolveu-se com um tipo de muitas e grandes promessas que vestia armani e calçava prada, e que descaradamente a abusou e a espoliou completamente.
A Decia está agora muito endividada em resultado principalmente da sua tempestuosa relação anteiror, felizmente já terminada. Está muito revoltada. Mas, como andou sempre a fazer o que outros lhe diziam, não aprendeu a fazer escolhas responsáveis sobre a sua própria existência enquanto teve liberdade.
O que decide então fazer nesta turbulência emocional que a toma cada vez mais? Protestar, recusar-se a cumprir as suas obrigações, como fazia quando era ainda criança e adolescente. Sem perceber que já ninguém liga nenhuma aos seus protestos, nem os seus antigos padrinhos que se encontram a braços com os seus próprios problemas económicos e com os de outras Decias (ou Grecias) como ela.
Será uma greve geral um acto de democracia?
Democracia significa, literalmente, governo do povo. Quem governa manda, não protesta. Quem paga manda, não protesta.
Imagine-se que toda a energia e todo o esforço organizador postos ao serviço desta greve geral tinham sido usados para inundar as Assembleias Legislativas nacional e europeia com propostas legislativas destinadas a mudar as leis que exploram e oprimem os cidadãos.
Mas… é possível fazer-se isso? É! Dá trabalho? Dá, muito. E ainda é preciso ser paciente, persistente, serenamente indómito. É aqui que começa a verdadeira democracia e não nas manifestações de rua.
Quer dizer que não são necessárias manifestações de rua? São, infelizmente. Os instalados, os privilegiados, nunca querem ceder, partilhar, o poder. São eleitos pelo povo mas não servem os interesses de quem os elegeu, antes os seus próprios e de forma muito óbvia.*
*Um dia, perguntaram a um menino de 5 anos que eu conheço desde o berço o que queria ser quando fosse grande. O miúdo respondeu que queria ser governador. A seguir alguém se lembrou de lhe perguntar porquê. Ele respondeu, então, para espanto de todos os presentes (e gáudio de alguns): – Ora, porque o governador governa-se!