Excertos de mais um daqueles (raros) textos que gostaria de ter escrito. Uma metáfora certeira de José Mendonça da Cruz.
Estou aqui muito contente, nesta noite insone, a jogar aos Estados. Hoje estou a jogar o nível CC, Chular o Cidadão, um nível em que o Estado tem que se alimentar e tudo em redor são carne e gorduras. … Primeiro, assumi o personagem Fisco. O Fisco é o braço armado do CC e é muito divertido de protagonizar. Comecei e fiz um aumento geral de impostos de uma taxa média de 30% para a nova de 60%. Taxei os automóveis a 200% em vez dos 100% do costume, impus sobre o pernicioso tabaco uma taxa moderadora de 300%, dobrei o valor das multas em geral, lancei sobre os imóveis um imposto igual a um duodécimo do valor total de cada imóvel, porque duodécimo me pareceu uma expressão boa. … Comprei 17 000 Mercedes série S e 12 000 Audis A8 para fortalecer a minha dignidade e a dos meus. Nadei em dinheiro e fiquei muito contente. Mas foi sol de pouca dura. Na janela dos «Agentes Económicos», o fundo passou a amarelo enquanto na janela «Receita» IRS, IRC e IVA iniciaram uma queda a pique. Como o meu Estado glutão mantinha as despesas perdulárias com que o jogo sempre arranca, percebi que tinha que gastar menos em algum lado, se não ficava eu falido e o jogo por ali. … A minha folhinha de Excel mostrava sinais de nervosismo, a janela da «Receita» não dava sinais de melhoras, o fundo dos «Agentes Económicos» virava do amarelo ao laranja e abriu-se-me num pop-up aterrorizante uma janela no ecrã. Dizia «Segurança Social» e piscava em vermelho intermitente. Já que assim me vinha assustar decidi começar a cura por aí. Cliquei na linha Idade da Reforma e subi-a. Subi-a para os 80 anos. Sendo a esperança de vida de 75 pareceu-me justo garantir aos beneficiários 5 anos de vida ociosa. … Ainda na janela «Segurança Social», cliquei a linha Subsídio de Desemprego e tomei uma decisão forte: aboli o subsídio de desemprego para todos os menores de 30 anos. No trem de vida moderno sobreleva e é conhecida a tendência dos filhos para permanecerem em casa dos pais. Seja, os pais os ajudarão. … Entusiasmado, exultante mesmo, decidi então que obteria uma vitória histórica no jogo. Como? Ora, mandando, que é o que um Estado CC faz. Por isso, mandei os empresários investir, mandei gastar mais uns milhares de milhões num banco novo e mandei-o investir alguns milhares, mandei a gasolina ser barata e deixei a electricidade ser cara, mandei a população activa trabalhar mais 3 horas por dia sem receber, mandei os empresários produzir e enriquecer, mandei as pessoas consumir mais mesmo sem dinheiro, mandei os restaurantes servir refeições mesmo sem clientes, e mandei toda a gente celebrar-me mesmo sem razão. Mas o jogo era muito rudimentar e não computou, a janela «Reacções» explodiu e o computador bloqueou. …
O meu querido joguinho de Excel
publicado por José Mendonça da Cruz aos18 de Outubro de 2012
no blogue Corta-Fitas.