A cobrança O rapanço de impostos aos servos, no feudo socretino-teixeiroso de Portugal.
De há longo tempo vinha eu – e muitos outros, certamente – reclamando por justiça tributária. Desde muito antes deste (des)governo de ps-socretinos. Em determinado momento, mais recentemente, cheguei a pensar que tinha chegado essa justiça. Não podia estar mais enganado – e muitos outros ainda estão. Pois bem! Está na altura de se desenganarem.
“Economia
Impostos
Fisco com ordem para cobrar ao máximo até final do ano
2007/11/20 08:33Editorial / CPS
As metas, em Setembro, estavam 4% abaixo das expectativas. A aposta é total.
A instrução do novo responsável pelos impostos é taxativa: «afectar às tarefas de cobrança coerciva todos os recursos possíveis», refere o «Diário Económico».
«Afectar às tarefas de cobrança coerciva todos os recursos possíveis», é o apelo que se pode ler no documento enviado pelo director-geral dos Impostos, José Azevedo Pereira, em Outubro, via email, a todas as direcções e serviços de Finanças. …” [ver aqui]
As metas? De quê? Da prática da justiça não são certamente. Qualquer pessoa minimamente inteligente sabe que pressa e justiça não convivem – são mesmo inimigas. Ou há pressa, ou há justiça. As “metas” são as expostas a seguir, pelos próprios fiscalistas:
“Para o fiscalista Samuel Fernandes de Almeida «há a percepção generalizada de que o único objectivo é a cobrança», o que «acaba por descurar todos os outros serviços, nomeadamente a justiça tributária», e por contribuir «para uma maior paralisia do sistema fiscal».
No mesmo sentido, o fiscalista João Espanha diz que se chegou «a um ponto em que vale tudo». «A receita da cobrança já começou a entrar pela via da violação das garantias dos contribuintes», afirma, acrescentando que «na dúvida cobra-se, na dúvida penhora-se e na dúvida vende-se».” [aqui]

Estas são, infelizmente, afirmações bem fundamentadas. Basta consultar o Relatório da Inspecção aos Serviços de Finanças – Execuções Fiscais, realizado entre 4 de Junho e 9 de Agosto de 2006 pela Provedoria de Justiça. Transcrevo algumas frases avulsas dos seus resultados e conclusões mais… (como dizer?) esclarecedores:
“- A resposta quase unânime dos Serviços de Finanças à primeira questão … ,foi a de que não existe qualquer sistema de busca automática para associação entre processos de execução fiscal pendentes e processos do contencioso tributário (reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação ou recurso judicial e impugnação), susceptíveis de suspender a execução, mediante prestação de garantia, para que se possa dar cumprimento ao disposto no artigo 169.º, n.º 2, do CPPT, notificando o executado para o efeito.”(p.67)
“- A pendência de uma impugnação judicial dificilmente é descoberta, pois estas são geralmente apresentadas directamente no TAF, não ficando qualquer registo no Serviço de Finanças …”(p.68)
“4. Muitos dos processos não contêm qualquer referência à data da citação do executado, ainda que através de postal simples, também relevante para a análise do prazo de prescrição (para os processos instaurados após a entrada em vigor da Lei Geral Tributária);”(p.78)
“8. Foram observadas divergências significativas entre os processos físicos e os “prints” da sua tramitação no SEF, muitas delas decorrentes da sua migração do anterior sistema PEF para o actual sistema SEF;”(p.79)
“11. A maior parte dos Serviços de Finanças parece desconhecer que o novo prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social, decorrente da entrada em vigor da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (de 5 anos), permite extinguir, por prescrição, todas ou quase todas as execuções fiscais referentes àquelas dívidas, ainda pendentes nos Serviços de Finanças;”(p.80)
“13. A penhora não constitui facto suspensivo ou interruptivo da prescrição. No entanto, os Serviços de Finanças procedem a penhoras de salários e vencimentos cuja execução (por tractos sucessivos mensais) vai muito para além do termo do prazo de prescrição, com a justificação de que a penhora é anterior ao decurso daquele prazo (embora a sua cobrança o não seja);
14. O SEF procede à apensação de processos , segundo nos foi dito, sem qualquer critério, apensando processos em fase diferente e considerando muitas vezes que o processo principal é o mais recente. Assim, os pagamentos são imputados às dívidas mais recentes em vez de o serem às mais antigas que, apesar de prescritas, não deixam de ser cobradas;
15. Há erros de cálculo das dívidas incluídas em planos prestacionais, nomeadamente do Decreto-Lei n.º 225/94, de 05/11 e do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/08, por deficiente tratamento de algumas guias de pagamento, que não conduziram à anulação da parte dos juros de mora de que o executado ficou dispensado, nem se encontram averbadas no SEF.”(p.80)
“d. Menção do mesmo executado nas várias listagens do SIPA/CEAP, para efeitos de penhora (o que se afirma dificultar a sua execução e ser a origem de erros graves);
e. Deficiente coordenação entre as várias aplicações informáticas;
f. Deficiente adequação dos sistemas informáticos às leis tributárias.”(p.117)
“a. Registaram-se excessivas restrições na redução e cancelamento das penhoras, quer electrónicas, quer manuais, apesar de a fase em que os processos se encontram as exigirem, em virtude de pagamentos ou anulações da dívida;
b. Tais restrições, independentemente da sua causa, são susceptíveis de afectar os direitos dos executados e a própria eficiência dos Serviços de Finanças, que, ou não corrigem os erros decorrentes de pagamentos excessivos, o fazem deficientemente e de forma meramente ocasional,…”(p.134)
“g. Os registos informáticos dos pagamentos e outros factos relevantes para a tramitação dos processos não é efectuado, em todos os Serviços de Finanças, com a assiduidade desejável, provocando a desactualização do SEF;(p.139)
h. Os procedimentos adoptados em caso de devolução de citações postais ou pessoais por via postal, não é uniforme. Sempre que a citação não é recebida pelo destinatário, por falta de diligência dos serviços, ocorre a lesão de interesses, tanto do executado – que se vê confrontado com um maior quantitativo de juros de mora a pagar e, não raro, com penhora de activos patrimoniais, como do interesse da Fazenda Pública na célere arrecadação da receita tributária;”(p.140)
“2. Algumas das aplicações encontram-se concebidas à margem das normas legais que as devem conformar, nomeadamente no que se refere às liquidações da taxa de justiça e dos juros de mora, revelando-se inadequado o tratamento dado às situações de pagamento parcial, especialmente quando provêm de penhoras de rendimentos ou de compensações, de forma desfavorável ao devedor;”(p.145)
“4. A desactualização do SEF, com assinaláveis custos de eficiência e, em regra, com prejuízo para a posição do devedor, é consequência não só da desarticulação entre os vários sistemas informáticos, mas também do atraso dos registos dependentes da actuação dos operadores finais;”(p.145)
“3. Deficiente tramitação processual e deficiente execução de alguns actos processuais, nomeadamente:
a. na apreciação oficiosa da prescrição;
b. na insuficiente fundamentação das reversões;
c. na citação do executado, em caso de devolução do aviso-citação;
d. na deficiente execução das penhoras, em especial as penhoras de créditos;
e. dificuldade/impossibilidade de correcção dos erros produzidos pelo sistema SEF.”(p.146)
Conclusão: Justificação do título – porque é feudal esta “justiça” tributária?
O senhor feudal prepotente (o Estado todo-poderoso) acusa um súbdito (um contribuinte) sem produzir prova. Conforme o estatuto do acusado, existem duas hipóteses:
1. O acusado é um vassalo privilegiado, da nobreza ou do clero (os administradores, gestores, directores e chefias em geral), que tem poder económico e estrutura de suporte para impugnar judicialmente a acusação.
2. O acusado é um servo, um criado, um camponês, um artesão (“prestador de serviços” a recibos verdes, contratado a prazo, assalariado, operário), que não tem capacidade económica nem estrutural para contestar a acusação.
No primeiro caso, dizem estatísticas recentes que o suserano (o Estado) perde metade das acções. No segundo caso – fazendo uma simples extrapolação – deveria perder também metade das acções, se houvesse oposição: mas como não há…
Não há mal tão lastimeiro como não ter dinheiro (provérbio popular)
Mas a (inaceitável) limitação ao direito de justiça fiscal não é apenas – nem principalmente – económica. A maior restrição encontra-se na enorme quantidade e complexidade da legislação tributária, que a torna completamente impenetrável ao cidadão comum. O que acontece, então, é que o contribuinte fica completamente nas mãos dos cobradores de impostos (os funcionários das repartições de finanças) do suserano (o Estado), completamente impossibilitado de se defender e de verificar a veracidade das “sentenças sumárias” que por eles lhe são ditadas.
Como não quero alongar-me, nem é desejável que o faça, pode ler aqui:
“(…) O sistema é complexo, opaco, com resmas de códigos e regras, prazos confusos e difusos e com pouca fiscalização aos que fogem e muitas multas aos que cumprem. (…)“
e também aqui:
“(…) O Estado, ao criar a teia burocrática e kafkiana existente, leva os cidadãos à incompreensão e ao desespero. Mesmo que seja uma iniquidade, mais vale pagar e calar (…)”
Corruptissima Res Publica Plurimae Leges [Muitas são as leis num Estado muito corrupto] (Tácito)
“22 Näo roubes ao pobre, porque é pobre, nem atropeles na porta o aflito; …” (Provérbios 22)
“10 Todos os meus ossos dirão: SENHOR, quem é como tu, que livras o pobre daquele que é mais forte do que ele? …” (Salmo 35)
“4 Ouvi isto, vós que anelais o abatimento do necessitado; e destruís os miseráveis da terra, …” (Amós 8)